Sunday, December 23, 2007

O lobo, a Ovelha e Las Pastoras

"Mas agora quero ver se consigo prender o que me aconteceu usando palavras. Ao usá-las estarei destruindo um pouco o que senti."
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Em meio a alcatéia, um lobo se destacava dos demais; sabia tocar flauta e fazer incríveis
performances que divertiam os seus iguais antes de devorar as ovelhas.
No rebanho uma ovelha se destava das demais pela sua indiferença por Deus:
-Se Deus é realmente bom, então por que criou criaturas que se saciam apenas com sangue e carne? Nosso sangue, nossa carne. Por que os carnívoros não se devoram uns aos outros até se estinguirem para sempre da face da terra?
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Senhoras, senhores e filhotes, preparem-se para o grande espetáculo! Com o som de minha flauta e esta roupagem falsa de cordeiro, armarei uma cilada para a ovelha e farei dela um delicioso guisado para nós.
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Lobinho tinha opiniões tão heterodoxas a respeito da sagrada sociedade de lobos adultos, que nem ousava falar, guardava os pensamentos para si.
Mamãe loba, esposa do lobo, sentindo o cheiro de rebeldia do filho, tratava de colocá-lo na primeira fileira para que apreciasse de perto a glória do esperto lobão-pai e nele se espelhasse.
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O lobo não vale nada! Gritavam os comparsas loucos por carne e circo.
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A ovelha já estava dentro do caldeirão, a temperatura da água aumentando, aumentando...
...até que a ficha dela finalmente caiu e ela foi obrigada a aceitar que aquilo não era uma brincadeira de mal gosto, era uma cilada bem armada, tratava-se de um lobo vestido em pele de cordeiro, o a-n-i-m-a-l em questão.
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Sentindo a aproximação da morte, a ovelha que só sabia blasfemar, milagrosamente cantou com fervor a seguinte oração:
-Que seja feita a Vossa vontade, assim na terra como nos céus.
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Deus ouviu a prece.
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-Senhor lobo, o senhor é astuto, sabe enganar ovelhas para divertir os seus iguais como ninguém, além de ter sido professor de Ian Anderson. Eu nada sou, além do seu alimento, e é como seu alimento que lhe dirijo a palavra, suplico que toque sua flauta para que eu ouça pela última vez, este é meu último pedido, assim descansarei feliz e minha carne ficará ainda mais saborosa.
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O lobo de ego flutuante, empolgado com os elogios, tocou o mais doce Réquiem que foi capaz.
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Las Pastoras passavam por perto, ao ouvir a música desejaram saber quem a tocava, seguindo a música chegaram ao lobo e libertaram a Ovelha.

A Ovelha tornou-se menos ingênua e descansou feliz da vida.